Existem momentos na história dos MMORPGs onde pequenas decisões de design alteram completamente o ecossistema do jogo. O caso do Arco de Goblin Amaldiçoado de Old School RuneScape é um exemplo perfeito disso. Introduzido em 2013 durante um evento que poucos lembram, este item aparentemente insignificante acabou se tornando um pesadelo para jogadores legítimos, enquanto servia como ferramenta perfeita para trapaceiros e griefers.

O mais fascinante é como este item demonstra como objetos de jogo podem desenvolver personalidades próprias nas mãos da comunidade. Do treinamento legítimo de habilidades à destruição da experiência de outros jogadores, este arco tem uma história que revela muito sobre a evolução dos MMOs e a criatividade dos jogadores - para o bem e para o mal.

A Origem do Arco Amaldiçoado

Em 2013, apenas 77 dias após o lançamento de Old School RuneScape (OSRS), a Jagex enfrentava um problema sério: o número de jogadores estava caindo rapidamente. Com o hype inicial se dissipando e ferramentas de desenvolvimento limitadas, a empresa precisava desesperadamente de algo para manter a base de jogadores engajada.

Foi assim que, em 10 de maio de 2013, os jogadores em Varrock começaram a testemunhar algo estranho: grupos de Goblins invasores de nível 4 apareciam periodicamente nos portões da cidade para batalhar contra os guardas. Os guardas gritavam coisas como “Por Varrock!” e “Salvem a cidade!”, enquanto os Goblins respondiam com frases como “Humanos feios” e “Hora de Goblin” - essa última me lembra aquele meme do Morbius que ninguém assistiu.

Este evento misterioso, que não teve nenhum anúncio prévio da Jagex, deixou muitos jogadores confusos. Alguns pensaram que era um glitch, outros acharam que era alguma feature antiga que havia voltado acidentalmente. Na verdade, era um teaser para o primeiro evento personalizado do OSRS: a Invasão Goblin de 2013.

A Invasão Goblin e o Nascimento do Arco

Depois de algumas semanas de mistério, a Jagex finalmente esclareceu que os ataques a Varrock foram apenas eventos de reconhecimento realizados pelos Goblins. Eles tinham reunido forças nos últimos meses e estavam prestes a retornar em força.

O evento evoluiu por semanas, com invasões goblin cada vez mais fortes em Falador e Lumbridge. Eventualmente, os jogadores puderam entrar em uma caverna de goblins e, finalmente, em um “Templo Goblin” - o primeiro mapa personalizado do OSRS.

Foi durante esta fase que a Jagex introduziu as armas Goblin Amaldiçoadas: um arco, um cajado e um martelo de guerra. Estas armas causavam mais dano contra goblins, mas tinham estatísticas medíocres contra outros monstros. No entanto, o arco tinha um segredo: ele sempre acertava zeros em qualquer coisa que não fosse um goblin.

Arco de Goblin Amaldiçoado de RuneScape

A Comunidade Encontra “Usos Alternativos”

Inicialmente, parecia apenas uma peculiaridade inofensiva. Mas logo a comunidade descobriu usos para o arco que a Jagex jamais imaginou. E aqui é onde as coisas ficam interessantes.

O primeiro uso legítimo veio da comunidade de jogadores de nível 3 - pessoas que propositalmente mantinham seu nível de combate no mínimo como um desafio pessoal. Como o arco permitia “splashing” (acertar apenas zeros) sem necessidade de flechas, estes jogadores podiam atacar monstros sem ganhar XP de combate, e ainda assim receber XP de Slayer quando o monstro morria por danos de anel de ricochete.

Outros usaram o arco para quebrar bots - especificamente bots que matavam gaivotas em Port Sarim. Ao “prender” as gaivotas em combate com o arco, os bots não tinham nada para atacar e ficavam parados.

Mas aqui está a parte mais problemática: jogadores mal-intencionados começaram a usar o arco para griefing em massa. Imagine você treinando tranquilamente, quando alguém aparece com esse arco e “prende” todos os monstros da área em combate eterno. Você não consegue atacá-los, e o idiota nem está ganhando experiência - está ali apenas para arruinar seu dia.

A Era do Griefing e dos Bots

O problema maior veio com a exploração por botters. Na época, contas free-to-play precisavam ter 24 horas de jogo antes de poder vender a maioria dos itens no Grand Exchange. Em vez de jogar de verdade por 24 horas, os operadores de farm de bots simplesmente compravam o arco por quase nada e deixavam seus bots dando splash ininterruptamente.

Isso permitia que centenas de bots entrassem no jogo diariamente, evitando o período onde a detecção anti-bot era mais vigilante. A Jagex perdeu a oportunidade de pegar esses bots no início, tornando o problema muito mais difícil de controlar.

E vamos ser sinceros: isso é o auge da falha de design de jogo. Um item introduzido para um evento temporário acabou se tornando a ferramenta perfeita para arruinar a experiência de jogadores legítimos e facilitar a trapaça em massa.

Minha Opinião: O que Isso Diz sobre Design de MMOs

Como alguém que valoriza conexões genuínas em MMORPGs, esse caso me fascina. O arco de goblin demonstra perfeitamente como até mesmo pequenos detalhes de design podem ter impacto profundo na experiência social do jogo.

Sempre defendi que gráficos não importam, e sim as conexões reais entre jogadores. Mas esse arco criou exatamente o oposto: ferramentas para DESCONECTAR jogadores, seja impedindo interação com monstros ou facilitando a proliferação de bots.

Isso me lembra o porquê de prefiro jogos como Tibia e o meu amado Lamentosa. Nesses jogos, cada item tem um propósito claro no ecossistema social. Em Lamentosa, um MMO de navegador sobre vampiros e lobisomens, os itens servem para fortalecer clãs, estratégias de grupo e cooperação - não para permitir que jogadores arruinem a diversão uns dos outros.

O Legado e a Redenção

Depois de aproximadamente 2 anos causando caos, a Jagex finalmente decidiu tomar uma atitude. Em 6 de março de 2015, eles nerfaram as armas Goblin, removendo a capacidade do arco de acertar zeros consistentemente e fazendo-o exigir flechas para funcionar.

Isso deixou a maioria dos jogadores felizes, mas desapontou profundamente a comunidade de nível 3, que perdeu seu melhor método de treinamento de Slayer. A alternativa mais próxima - limpar achados de museu na esperança de encontrar lâmpadas de experiência - rendia míseros 2.000 XP por hora.

Curiosamente, em 2023, a Jagex parcialmente voltou atrás. Eles não reverteram as mudanças no arco, mas deram ao Martelo de Guerra Goblin Amaldiçoado um bônus de -100 em esmagamento, tornando-o uma forma consistente de acertar apenas zeros - desta vez com combate corpo a corpo.

Por quê? Porque o jogo havia mudado. As medidas anti-bot da Jagex evoluíram, o tempo limite de inatividade foi reduzido de 6 horas para 20 minutos, e agora as contas novas precisavam de 20 horas de jogo, 10 pontos de missão e nível total 100 para acessar o Grand Exchange.

O que Aprendemos com Isso?

Este caso é uma aula mestra sobre como comunidades de MMO transformam ferramentas de jogo em algo completamente inesperado pelos desenvolvedores. A Jagex não poderia ter previsto que um simples arco temático se tornaria o centro de tanta controvérsia.

Como alguém que odeia mecânicas de quests repetitivas, aprecio a criatividade dos jogadores de nível 3 em encontrar formas alternativas de progredir. Mas como defensor de experiências sociais genuínas em MMOs, deploro como o mesmo item foi usado para prejudicar outros jogadores.

No final, a história do Arco de Goblin Amaldiçoado nos ensina que mesmo o item mais simples pode ter profundo impacto na experiência social de um MMO. E talvez seja isso que faz dos MMORPGs um gênero tão fascinante - a capacidade dos jogadores de subverter intenções de design e criar suas próprias histórias, para o bem ou para o mal.

Só espero que os desenvolvedores de Lamentosa nunca adicionem um item que permita jogadores bloquear vampiros em combate eterno. Isso arruinaria completamente as caçadas noturnas que fazemos com nosso clã…

comments powered by Disqus