Mais um episódio na jornada infinita de alguém perseguindo o achievement “Final Boss” no Runescape, e confesso que assistir a essa progressão me deixa com sentimentos contraditórios. Por um lado, há algo admirável na dedicação em farmar mais de 1000 kills nos Dagannoth Kings só para conseguir anéis - por outro, isso exemplifica perfeitamente tudo que está errado com a filosofia de design da maioria dos MMORPGs modernos.
O que me chamou atenção neste relato não foi necessariamente os bosses derrotados ou os upgrades conquistados, mas sim a mentalidade por trás de tudo isso. Estamos falando de um jogador que gastou 34 milhões de GP em um upgrade de canhão, passou dias inteiros em uma caverna matando os mesmos monstros repetidamente, e considera isso “progresso satisfatório”. É aqui que preciso ser franco: isso não é jogo, é trabalho disfarçado.
A Ilusão do Progresso Através da Repetição
O Runescape sempre foi conhecido por seu grind, e não vou negar que há certo charme nostálgico nisso. Mas quando analisamos friamente o que está acontecendo aqui, vemos um sistema que essencialmente transformou diversão em uma lista de tarefas mecânicas. O jogador precisa de 10 Seers rings para criar o Channeler’s Ring - não porque isso cria uma narrativa interessante ou porque gera interação significativa com outros jogadores, mas simplesmente porque alguém na Jagex decidiu que esse deveria ser o número.
Onde está a conexão humana nessa jornada? Onde estão os momentos inesperados que fazem você lembrar de uma sessão de jogo anos depois? O jogador menciona “community events” no Croesus, e é justamente aí que o jogo brilha um pouco - quando força os jogadores a cooperarem de verdade, não apenas a matarem NPCs lado a lado.
Compare isso com a experiência que você tem em um jogo como Lamentosa, onde cada decisão estratégica do seu clã pode mudar completamente o rumo de uma guerra entre vampiros e lobisomens. Não há necessidade de farmar 1000 monstros para “desbloquear” a diversão - a diversão está nas relações, nas alianças, nas traições, nas estratégias compartilhadas no chat até altas horas.
Rex Matriarchs: Design de Boss Que Quase Acerta
Devo admitir que os Rex Matriarchs representam um dos pontos mais altos do design de bosses no Runescape. Cada um tem mecânicas distintas, exige estratégias diferentes, e pelo menos força o jogador a pensar e reagir. Orikalka com seus tornados de gelo, Pthentraken com seus ataques de raio, Rathis com suas pools de veneno - há variedade genuína aqui.
Mas mesmo assim, o sistema falha em capitalizar no que realmente importa. Esses bosses poderiam ser experiências sociais incríveis se o jogo incentivasse grupos pequenos e coordenação real entre jogadores. Em vez disso, são tratados como mais um obstáculo solitário na lista de conquistas, mais uma caixa para marcar no caminho para o “Final Boss”.
A Armadilha dos Upgrades Infinitos
O que mais me incomoda nesse relato é a mentalidade de “upgrade trap” que o Runescape perpetua. O jogador gasta 34 milhões em um upgrade de canhão que basicamente automatiza ainda mais o jogo - permitindo que o canhão se recarregue sozinho e tenha mais capacidade. Isso não é progressão, é a gamificação da preguiça.
Lembra quando jogos eram sobre superar desafios através de habilidade e estratégia, não através de números maiores em equipamentos? Claro, sempre houve progressão de equipamentos, mas ela servia um propósito narrativo e social. Em jogos clássicos como o próprio Runescape old school em seus primórdios, conseguir uma Rune scimitar significava algo porque mudava fundamentalmente como você interagia com o mundo e com outros jogadores.
Hoje, conseguir o Channeler’s Ring (o “melhor anel mágico do jogo”) é apenas um número maior em uma planilha mental de eficiência. Onde está a história por trás desse anel? Onde estão as lendas criadas pelos próprios jogadores sobre quem conseguiu primeiro, como conseguiu, e que impacto isso teve na comunidade?
O Paradoxo da Comunidade Morta em Mundo Vivo
Uma das partes mais reveladoras do relato é quando o jogador menciona que “joined a bunch of community events” no Croesus e ficou surpreso com quão agradáveis foram. Isso deveria ser um sinal de alerta para a Jagex - se os jogadores ficam surpresos com eventos comunitários serem divertidos, é porque o resto do jogo não está incentivando interação social de qualidade.
O Runescape tem milhares de jogadores online simultaneamente, mas a experiência descrita aqui é fundamentalmente solitária. Compare isso com a experiência em um MonstersGame ou Lamentosa, onde você simplesmente não consegue progredir significativamente sem formar alianças reais, coordenar estratégias complexas, e desenvolver relacionamentos que transcendem o jogo.
Em Lamentosa, quando você está planejando um ataque coordenado contra um clã rival, cada membro da aliança precisa entender seu papel, timing é crucial, e uma única traição pode mudar o rumo de meses de preparação. Isso é conexão humana real através de jogos. Isso é o que MMORPGs deveriam ser.
A Falácia dos Gráficos Sobre Substância
Não posso deixar de notar como o relato se foca muito em aspectos visuais - “these lightning attacks are pretty badass”, mencionando como o Pernix quiver “não é visível” no personagem. É sintomático de como a indústria condicionou os jogadores a valorizar espetáculo sobre substância.
Alguns dos MMORPGs mais memoráveis e impactantes da história eram baseados em texto ou tinham gráficos extremamente simples. O que os tornava especiais não eram os efeitos visuais, mas a profundidade das interações entre jogadores e a emergência de histórias genuínas criadas pela comunidade.
Quando você lê sobre alguém passar “dias” matando Dagannoth Kings para conseguir anéis, não consegue evitar de pensar em quanto potencial humano está sendo desperdiçado em tarefas repetitivas que uma IA poderia executar melhor. Imagine se toda essa dedicação e tempo fosse canalizada para atividades que realmente constroem relacionamentos e memórias duradouras.
O Problema dos 54 Bosses
O comentário final sobre Jagex adicionar mais um boss (Amascut) e agora existirem 54 bosses no jogo ilustra perfeitamente o problema fundamental aqui. Quantidade não é qualidade. Ter 54 bosses para “coletar” não torna o jogo mais interessante - torna-o mais uma lista de tarefas.
Em contraste, um jogo focado em interação social pode ter apenas uma dúzia de atividades diferentes, mas cada uma gera infinitas possibilidades emergentes baseadas em como os jogadores escolhem interagir entre si. Um único sistema de guerra entre clãs pode gerar mais variedade e rejogabilidade do que 54 bosses scriptados.
A Nostalgia Perdida do Verdadeiro MMO
Há momentos no relato onde você consegue vislumbrar o que o Runescape poderia ser. Quando o jogador menciona events comunitários no Croesus, quando há satisfação genuína em finalmente conseguir ranged 99, quando há um senso de progressão real ao completar o Channeler’s Ring. Esses são ecos do que um verdadeiro MMORPG deve proporcionar.
Mas esses momentos são ofuscados pela natureza fundamentalmente anti-social do design atual. O jogo te treina para ser eficiente, não para ser social. Te recompensa por otimizar, não por improvisar. Te encoraja a seguir guias detalhados, não a descobrir coisas junto com outros jogadores.
Compare isso com a experiência orgânica de descobrir estratégias em um jogo como Lamentosa, onde não há guias definitivos porque a própria natureza do jogo - com jogadores reais tomando decisões imprevisíveis - torna cada situação única. Onde você realmente precisa conversar com outros jogadores, formar alianças baseadas em confiança real, e desenvolver estratégias que levam em conta personalidades e estilos de jogo individuais.
O Futuro dos MMORPGs: Lições Não Aprendidas
O que mais me frustra ao analisar conteúdo como este é ver como a indústria continua doubling down em mecânicas que fundamentalmente não entendem o que torna MMORPGs especiais. Eles veem o sucesso de jogos como World of Warcraft e Runescape e copiam as mecânicas superficiais - o grind, os upgrades, os bosses - sem entender que o verdadeiro valor sempre esteve nas conexões humanas que esses sistemas facilitavam.
Jogadores como o do relato claramente têm paixão e dedicação genuínas pelo gênero. Mas essa paixão está sendo canalizada para atividades que poderiam ser automatizadas por scripts. É como ter um grupo de músicos talentosos e pedir para eles tocarem a mesma música 1000 vezes em vez de incentivá-los a improvisar juntos.
A tragédia real não é que o Runescape seja um jogo ruim - é que ele poderia ser extraordinário se focasse no que realmente importa. Se em vez de adicionar o 55º boss, eles criassem sistemas que incentivassem guerras políticas complexas entre guilds. Se em vez de mais upgrades de equipamentos, eles desenvolvessem mecânicas que tornassem cada interação entre jogadores potencialmente significativa.
Conclusão: O Preço da Eficiência Sem Alma
Ao final, este relato representa tanto o melhor quanto o pior do estado atual dos MMORPGs. Há dedicação, há momentos de satisfação genuína, há até lampejos de interação social positiva. Mas tudo isso está envolvido em um sistema que fundamentalmente não respeita o tempo do jogador nem incentiva as conexões que tornam jogos multiplayer verdadeiramente especiais.
Quando você gasta dias farmando para conseguir um anel que é estatisticamente superior mas narrativamente vazio, você não está jogando - você está sendo jogado pelo sistema. E enquanto a indústria continuar celebrando esse tipo de “progresso”, continuaremos vendo o gênero MMORPG se distanciar cada vez mais do seu verdadeiro potencial.
A próxima vez que você se encontrar fazendo algo repetitivo em um jogo por horas a fio, pause e pergunte: isso está gerando memórias que vou valorizar em anos? Está me conectando de forma significativa com outras pessoas? Ou estou apenas alimentando um sistema projetado para consumir meu tempo sem oferecer nada substancial em troca?
O Runescape, apesar de todos os seus problemas, ainda mantém elementos do que um MMORPG pode ser. Mas até que desenvolvedores e jogadores comecem a valorizar conexão sobre coleta, história sobre estatísticas, e comunidade sobre conquistas individuais, continuaremos presos neste ciclo de entretenimento vazio disfarçado de progresso significativo.