Recentemente me deparei com mais um gameplay de Ragnarok Online 2, desta vez focado na região de Maple Forest, e preciso ser honesto: assistir a essa sequência de eventos me trouxe uma mistura de nostalgia e profunda decepção. O que um dia foi sinônimo de revolução no cenário dos MMORPGs brasileiros, hoje se tornou mais um produto pasteurizado e sem alma, seguindo receitas prontas que destroem completamente a essência do que torna um jogo online verdadeiramente especial.
A aventura mostrada na Maple Forest é um exemplo perfeito de tudo que está errado com a indústria atual de MMORPGs. Uma série interminável de “vá até o ponto A, mate X monstros, colete Y itens, fale com NPC Z”, repetida ad nauseam até que o jogador perca completamente qualquer senso de imersão ou propósito real. É o tipo de design preguiçoso que privilegia quantidade sobre qualidade, números sobre narrativa, e progressão mecânica sobre conexão humana genuína.
A Tragédia das Quests Sem Alma
Vamos analisar friamente o que vimos nesta jornada pela Maple Forest. O jogador inicia em Malabo, enfrenta Killer Bees e Heavy Grizzly - até aqui, nada demais. Mas então começam as missões: derrotar Leib Olmai para obter extrato de maple, entregar para Brewin, fazer uma bebida tradicional, voltar para Lance Commander. É uma sequência que poderia ser interessante se houvesse algum contexto real, alguma razão pela qual essas ações importam no mundo do jogo.
Mas não há. É apenas uma série de tarefas desconectadas, projetadas para manter o jogador ocupado sem realmente engajá-lo. Eremes Guile pede para encontrar alguém que perdeu o marido - uma premissa com potencial emocional real - mas a execução é puramente mecânica: vá ao nordeste, ache Bordeaux inconsciente, mate um mantis gigante, leve-o até a estátua de Freyja. Fim da “história”.
Este é exatamente o tipo de design que me deixa genuinamente irritado. Onde estão as consequências reais? Onde está a necessidade de colaboração entre jogadores? Onde está a tensão de não saber se você conseguirá completar uma tarefa sozinho? Em jogos como Lamentosa, quando um clã decide atacar outro território, cada membro precisa se coordenar, estrategizar, e o resultado afeta não apenas sua progressão individual, mas todo o ecossistema do servidor. Aqui temos apenas um checklist glorificado.
A Ilusão dos Gráficos Modernos
Ragnarok Online 2 aposta pesado em seus visuais 3D modernos, efeitos especiais vistosos e animações elaboradas. E aqui chegamos ao cerne de um dos maiores problemas da indústria atual: a obsessão por gráficos em detrimento da substância. Desenvolvedores gastam milhões em engines gráficas sofisticadas, modelagem detalhada de personagens e ambientes cinematográficos, mas esquecem completamente do que realmente importa em um MMORPG: a capacidade de gerar conexões reais entre seres humanos.
O Ragnarok Online original, com seus sprites 2D “simples”, conseguia algo que seu sucessor 3D jamais alcançará: criar momentos memoráveis através de interações genuínas entre jogadores. Quando você precisava de um Priest para te ressuscitar em uma dungeon perigosa, quando formava party com desconhecidos para enfrentar um MVP, quando seu guild se reunia para uma War of Emperium épica - esses eram momentos que ficavam marcados na memória não por causa dos gráficos, mas por causa das relações humanas envolvidas.
O Problema da Narrativa Linear e Previsível
A história apresentada na Maple Forest segue todos os clichês possíveis e imagináveis. Commander Lance é revelado como um espião Freyjanity - uma “reviravolta” que qualquer jogador experiente vê vindo a quilômetros de distância. Aparecem rachaduras dimensionais, inimigos saem de vórtices, heróis misteriosos surgem pedindo ajuda, e tudo é resolvido de forma limpa e organizada ao final.
Compare isso com a narrativa orgânica que emerge em jogos como MonstersGame ou Lamentosa, onde as verdadeiras histórias são escritas pelos próprios jogadores. Quando um clã veterano decide trair uma aliança antiga, quando um jogador solo consegue derrubar um boss que todos achavam impossível, quando uma guild novata surpreende todo mundo em uma batalha épica - essas são narrativas reais, imprevisíveis, que surgem da interação humana genuína, não de scripts pré-programados.
O problema fundamental é que Ragnarok Online 2 trata seus jogadores como consumidores passivos de conteúdo, não como participantes ativos na criação de experiências memoráveis. Cada quest tem uma solução óbvia, cada problema tem uma resposta clara, cada história tem um final previsível. Não há espaço para improvisação, para soluções criativas, para momentos genuinamente surpreendentes.
A Morte da Dificuldade Significativa
Outra questão que me incomoda profundamente é a facilidade artificial com que tudo é resolvido. O jogador enfrenta Kubelin - supostamente um inimigo poderoso de uma rachadura dimensional - e o derrota sem maiores dificuldades. Aparece o “Rule of Fury” como uma “ameaça final” e é eliminado rapidamente. Onde está a tensão? Onde está o risco real?
Em Tibia, quando você enfrentava um Dragon ou um Demon, havia uma chance real de morrer e perder seus itens. Isso fazia cada encontro ser significativo, cada decisão importar. Você precisava se preparar adequadamente, formar grupos, desenvolver estratégias. A dificuldade não era artificial - era consequente.
Ragnarok Online 2 sofre do mesmo mal que aflige a maioria dos MMORPGs modernos: uma falsa sensação de progressão através de números inflados e mecânicas simplificadas. O jogador sempre vence, sempre progride, sempre recebe sua recompensinha ao final de cada tarefa. É o equivalente digital de dar medalha de participação para todos - tecnicamente todos estão “progredindo”, mas ninguém está realmente sendo desafiado.
A Ausência de Comunidade Real
O que mais me entristece ao assistir esse tipo de gameplay é a ausência completa de interação social significativa. O jogador navega pelo mundo sozinho, completa missões sozinho, derrota inimigos sozinho. Ocasionalmente encontra NPCs que existem apenas para distribuir quests ou aceitar itens, mas não há nenhum momento de conexão real com outros jogadores.
Contrast isso com minha experiência em Lamentosa, onde cada login significa potenciais conversas no chat global, planejamento de estratégias com membros do clã, negociações complexas com outros jogadores. O jogo pode ser textual e “simples” graficamente, mas as relações que se formam lá são mais ricas e duradouras que qualquer coisa que vi em MMORPGs modernos com orçamentos milionários.
A questão fundamental é que desenvolvedores como os do Ragnarok Online 2 não entendem que MMORPG significa “Massively Multiplayer Online Role-Playing Game” - a palavra-chave sendo “multiplayer”. Não adianta ter milhares de jogadores online se eles não têm razões reais para interagir, colaborar, competir, ou formar conexões genuínas.
A Fórmula Quebrada do Quest Design Moderno
Vamos dissecar a estrutura típica das missões mostradas no vídeo:
- NPC dá missão com história superficial
- Jogador vai até local indicado no mapa
- Mata quantidade específica de monstros ou coleta itens
- Retorna ao NPC
- Recebe recompensa automática
- Repete com próximo NPC
Esta fórmula não apenas é repetitiva - ela é fundamentalmente antitética ao que deveria ser um MMORPG. Não há descoberta genuína, não há necessidade de colaboração, não há risco real, não há consequências duradouras. É um sistema projetado para manter jogadores ocupados, não engajados.
Em RuneScape clássico, quando você queria completar uma quest como Dragon Slayer, precisava realmente se preparar. Conseguir os itens necessários envolvia exploração real, possivelmente negociação com outros jogadores, e havia risco genuíno de falha. Mais importante ainda, completar a quest te dava acesso a conteúdo significativo - você podia usar armadura de rune plate e equipar armas melhores.
O Problema da Progressão Inflacionada
Ragnarok Online 2 sofre do que eu chamo de “inflação de progressão” - tudo é grandioso na superfície, mas vazio por dentro. Inimigos com nomes impressionantes como “Rule of Fury” e “Kubelin” são derrotados com facilidade. Há “rachaduras dimensionais” e “vórtices interdimensionais”, mas eles não representam ameaças reais ou desafios significativos.
Compare com a simplicidade elegante de um sistema como o de Lamentosa, onde um “boss” pode ser literalmente apenas um texto descrevendo uma criatura poderosa, mas derrotá-lo requer coordenação real entre membros do clã, estratégia genuína, e o resultado afeta o balanço de poder no servidor inteiro. Não precisa de gráficos espetaculares ou nomes pomposos - a significância vem das consequências reais para a comunidade de jogadores.
A Nostalgia Pelo Ragnarok Verdadeiro
É impossível falar sobre Ragnarok Online 2 sem mencionar o quanto seu antecessor era superior em praticamente todos os aspectos que realmente importam. O RO original pode parecer datado graficamente para os padrões atuais, mas suas mecânicas fundamentais eram muito mais sofisticadas em termos de design de MMORPG.
As War of Emperium eram eventos que envolviam guilds inteiras, com estratégias complexas, alianças políticas, traições épicas. As dungeons eram perigosas o suficiente para que formar parties fosse uma necessidade, não apenas uma opção. O sistema de classes criava interdependência real entre jogadores - você não podia simplesmente fazer tudo sozinho.
Mais importante ainda, havia consequências reais para suas ações. Morrer significava perder experiência. Estar em uma guild forte abria oportunidades que jogadores solo não tinham. Participar da economia do servidor através de vending era uma atividade genuinamente social.
A Comercialização da Mediocridade
O que realmente me irrita é como Ragnarok Online 2 representa a comercialização e padronização de tudo que estava errado com a evolução dos MMORPGs. É um produto calculadamente projetado para atrair o máximo de jogadores possível, seguindo fórmulas testadas e aprovadas pelo mercado, sem assumir nenhum risco criativo ou inovação real.
O resultado é um jogo que é tecnicamente competente, visualmente atrativo, e completamente forgettable. Não há nada nele que você não possa encontrar em dúzias de outros MMORPGs modernos. Não há personalidade, não há alma, não há razão para escolher este jogo específico além de nostalgia pela marca Ragnarok.
É frustrante porque sabemos que é possível fazer melhor. Jogos como EVE Online provam que ainda há espaço para MMORPGs que privilegiam interação social complexa e consequências reais. Jogos indie como Project: Gorgon mostram que inovação em design ainda é possível. E jogos browser como Lamentosa demonstram que você não precisa de orçamento AAA para criar experiências online genuinamente memoráveis.
O Caminho de Volta à Relevância
Se os desenvolvedores de Ragnarok Online 2 realmente quisessem criar algo especial, eles precisariam abandonar completamente sua obsessão por gráficos modernos e quest design formulaico. Em vez disso, deveriam focar em:
Interdependência Real: Criar situações onde jogadores genuinamente precisam uns dos outros, não apenas para acelerar a progressão, mas para acessar conteúdo significativo.
Consequências Duradouras: Implementar sistemas onde as ações dos jogadores têm impacto real e duradouro no mundo do jogo e na comunidade.
Emergência sobre Script: Permitir que histórias interessantes surjam naturalmente da interação entre jogadores, em vez de forçar narrativas pré-programadas.
Comunidade sobre Conveniência: Priorizar mecânicas que fortaleçam laços sociais mesmo que isso signifique sacrificar algumas “conveniências” modernas.
Mas, honestamente, duvido que isso aconteça. A indústria atual está muito investida na fórmula segura e previsível de “conteúdo infinito” e progressão sem riscos. É mais fácil manter jogadores ocupados com tarefas repetitivas do que realmente engajá-los em experiências significativas.
Conclusão: O Futuro Sombrio dos MMORPGs Mainstream
Ragnarok Online 2, como representado neste gameplay da Maple Forest, é um sintoma de um problema muito maior na indústria de MMORPGs. Estamos sacrificando tudo que torna esses jogos especiais - comunidade, emergência, consequência, interdependência - em favor de métricas de engajamento vazias e progressão artificial.
O resultado são jogos que podem ter milhões de jogadores, mas que não criam memórias duradouras, amizades reais, ou experiências verdadeiramente únicas. São produtos de entretenimento eficientes, mas não são mundos virtuais vivos.
Enquanto isso, jogos como Lamentosa continuam provando que é possível criar experiências online genuinamente envolventes sem gráficos AAA ou orçamentos milionários. Tudo que você precisa é entender que, no final das contas, MMORPGs são sobre pessoas, não sobre personagens.
É uma lição que a indústria mainstream parece determinada a ignorar, e todos nós saímos perdendo por causa disso.