A comunidade de Ragnarok Online está em ebulição desde que os primeiros testes pioneiros de RO3 começaram a revelar os sistemas do aguardado sucessor. Entre a expectativa e a realidade, surgem vozes apaixonadas da base de jogadores mais dedicada do mundo dos MMORPGs, levantando questões cruciais sobre o rumo que o jogo está tomando. E essas vozes precisam ser ouvidas, pois carregam décadas de experiência e amor genuíno pelo universo de Midgard.
O que vemos emergir das discussões é um padrão claro: a comunidade não quer apenas um jogo com a marca Ragnarok, quer o espírito, a alma e a essência que fizeram do RO original uma experiência única e inesquecível. Mas será que a Gravity está ouvindo? Vamos mergulhar nos pontos mais críticos levantados pelos jogadores e entender por que essas mudanças são essenciais para o sucesso de RO3.
O Sandbox Perdido: Quando a Liberdade Se Torna Rotina
Imagine por um momento aqueles primeiros dias em Ragnarok Online. Você criava seu personagem, saía de Prontera e o mundo era seu. Não havia uma questão principal te empurrando de NPC em NPC, não existiam “dailies” obrigatórias marcando sua agenda virtual. Você simplesmente escolhia um lugar que achava interessante, encontrava alguns monstros, e começava sua jornada. Se encontrasse outros jogadores pelo caminho, melhor ainda - uma party espontânea se formava e a aventura ganhava vida própria.
Esse era o coração pulsante do Ragnarok: o aspecto sandbox que permitia aos jogadores escreverem suas próprias histórias. Você não estava seguindo um roteiro pré-determinado; você estava vivendo em um mundo vivo onde suas escolhas importavam. Queria passar horas farmando em Payon Dungeon? Podia. Preferia explorar as masmorras de Glast Heim em busca de equipamentos raros? Era sua decisão. Queria se dedicar completamente ao PvP e War of Emperium? O jogo te dava essa liberdade.
O problema que surge com RO3, baseado nos testes pioneiros, é uma mudança fundamental nessa filosofia. O jogo parece estar direcionando os jogadores para um modelo mais estruturado, onde instâncias diárias, MVPs em timers específicos e sistemas de stamina começam a ditar como e quando você deve jogar. Isso representa uma mudança de paradigma preocupante que vai contra tudo o que fez RO ser especial.
MVPs: De Lendas Temidas a Tarefas Diárias
Lembra da primeira vez que você enfrentou um MVP em Ragnarok? O coração acelerava, as mãos suavam, e você sabia que estava diante de algo verdadeiramente desafiador. MVPs não eram apenas monstros maiores - eram lendas vivas, criaturas que exigiam preparação, estratégia e, muitas vezes, a colaboração de um grupo bem coordenado. Derrotar um MVP era uma conquista, algo digno de celebração e que gerava histórias contadas por muito tempo.
A antecipação era parte da experiência. Aquela janela de 10 minutos esperando o túmulo desaparecer era pura tensão. Seria que conseguiríamos o drop? Que carta sairia? Era um momento de suspense genuíno que transformava cada encounter em uma pequena épica.
Em RO3, os MVPs parecem ter se tornado uma rotina diária, mais uma tarefa na lista de afazeres do jogador. Isso transforma algo que deveria ser excepcional em algo comum, reduzindo esses encontros épicos a meros check-boxes em uma agenda virtual. Pior ainda, o sistema de timer compartilhado cria uma corrida desesperada entre jogadores, onde muitos acabam perdendo tempo esperando por MVPs que já foram derrotados por outros, gerando frustração ao invés de satisfação.
A solução parece simples, mas requer coragem da parte dos desenvolvedores: trazer de volta o elemento de desafio e descoberta. MVPs deveriam ser encontros raros e significativos, não obrigações diárias. Eles deveriam inspirar medo e respeito, não serem apenas mais um item na lista de tasks diárias.
O Sistema de Stamina: Limitando a Paixão pelo Jogo
Um dos aspectos mais controversos de RO3 é a implementação de sistemas similares aos encontrados em jogos mobile, particularmente o conceito de “tentativas limitadas” para dungeons e outras atividades. Esse sistema, muitas vezes disfarçado sob outros nomes, funciona essencialmente como stamina, limitando quanto um jogador pode progredir em um determinado período.
Aqui surge uma questão fundamental: por que punir jogadores que querem se dedicar mais ao jogo? Se alguém quer passar 10, 20 ou até mesmo 50 horas seguidas farmando materiais e progredindo seu personagem, por que o jogo deveria impedir isso? O sistema de tentativas limitadas não serve ao jogador - serve apenas para esticar artificialmente o conteúdo e, em muitos casos, criar oportunidades de monetização.
O mais frustrante é quando você usa suas tentativas limitadas para craftar equipamentos ou fazer upgrades e recebe resultados ruins devido ao RNG. Não só você perdeu seus recursos limitados, como também tem que esperar até o próximo reset para tentar novamente. Isso cria o que podemos chamar de “máquina de decepção” - um sistema desenhado para frustrar jogadores e potencialmente empurrá-los para gastos adicionais.
Em Ragnarok original, se você quisesse passar a madrugada toda farmando cartas ou materiais, podia. Se quisesse dedicar um fim de semana inteiro para conseguir aquele equipamento específico, o jogo não te impedia. Essa liberdade de escolha sobre como investir seu tempo era fundamental para a experiência.
A Confusão Monetária: Quando Simplicidade é Virtude
O sistema econômico de Ragnarok sempre foi um de seus pontos fortes. Zeny era a moeda universal, simples e eficiente. Todos entendiam seu valor, todos sabiam como consegui-la, e a economia do jogo fluía naturalmente. Jogadores habilidosos podiam se especializar em farming específico, encontrar nichos de mercado, e construir fortunas através de conhecimento e dedicação.
RO3 parece estar complicando desnecessariamente esse sistema com múltiplas moedas. Blue shards para certas transações, Zeny aparentemente sem propósito claro, e possivelmente outras moedas que ainda nem foram totalmente reveladas. Essa fragmentação da economia não apenas confunde jogadores, mas também prejudica a formação de um mercado saudável e dinâmico.
A beleza do sistema original estava na sua simplicidade e nas oportunidades que criava. Conhecer a economia do jogo, saber quando comprar e quando vender, entender os padrões de demanda - tudo isso era parte do gameplay. Jogadores podiam se especializar em ser mercadores, criando um aspecto social rico onde negociação, barganha e relacionamentos importavam.
Cartas: De Elementos Transformadores a Meros Bônus Estatísticos
Se existe algo que exemplifica perfeitamente a perda da essência de Ragnarok em RO3, é o sistema de cartas. No jogo original, cartas não eram apenas números - eram possibilidades. Uma carta podia completamente transformar sua build, abrir novas estratégias, ou criar combinações inesperadas que mudavam seu estilo de jogo.
Lembra da sensação de conseguir uma Ghostring Card e de repente se tornar imune a ataques físicos? Ou de usar uma carta elemental na arma certa e ver seu dano explodir contra determinados monstros? Cartas criavam momentos de “eureka”, onde descobertas levavam a builds inovadoras e estratégias criativas.
Em RO3, cartas parecem ter sido reduzidas a meros incrementos estatísticos. Um pouco mais de ataque aqui, um pouco mais de defesa ali, mas sem o poder transformador que as tornava especiais. Pior ainda, o sistema de upgrade de cartas com fragmentos limitados por stamina transforma o que deveria ser descoberta em mais uma rotina de progression gated.
A criatividade que surgia das combinações de cartas era infinita. Builds teóricas que só existiam porque determinadas cartas permitiam synergias inesperadas, estratégias que nasciam da experimentação, personagens únicos criados através da combinação criativa de efeitos. Tudo isso parece ter sido sacrificado em prol de um sistema mais “equilibrado” e “previsível”, mas também muito mais sem graça.
Auto Combat: Quando a Automação Mata a Alma do Jogo
Talvez nenhuma feature de RO3 seja mais controversa que o sistema de auto combat. A justificativa é compreensível - nem todos têm tempo para grind manual constante, e a vida adulta de muitos jogadores veteranos não permite mais as maratonas de farm dos velhos tempos. Mas será que automação é realmente a resposta?
O auto combat não resolve apenas o problema do tempo limitado; ele fundamentalmente muda a natureza do jogo. Ragnarok sempre foi sobre comunidade, sobre encontrar outros jogadores durante suas aventuras, formar parties espontâneas, e descobrir novos lugares juntos. Quando todo mundo está usando auto combat, essas interações orgânicas desaparecem.
Mais problemático ainda é o efeito cascata que o auto combat cria. Se jogadores podem farmar 24/7 no automático, os desenvolvedores são forçados a reduzir drop rates para compensar. Isso significa que jogadores que preferem jogar ativamente são punidos, enfrentando drop rates menores porque o sistema foi balanceado em torno da automação.
O sistema também torna classes como Alchemist e suas criaturas menos especiais. Por que ter um Homunculus quando qualquer classe pode essencialmente se tornar automatizada? A uniqueness dessas classes, que dependiam de mecânicas de IA e gerenciamento de pets, perde muito de seu apelo.
Skills Limitadas: Reduzindo um Sistema Rico a Apenas Cinco Opções
Um dos aspectos mais chocantes de RO3 é a limitação de apenas cinco skills ativas simultâneas, comparado às 36 slots de hotkey do jogo original. Essa redução não é apenas numérica - representa uma filosofia completamente diferente sobre como classes deveriam funcionar.
Em Ragnarok, você podia ser um Archbishop versátil, alternando entre buffs de suporte, skills ofensivas como Adoramus e Magnus Exorcismus, e habilidades situacionais conforme a necessidade. Essa flexibilidade permitia gameplay dinâmico e adaptação em tempo real às situações.
Com apenas cinco skills, jogadores são forçados a escolhas binárias que reduzem a complexidade e riqueza do sistema de classes. Você não pode mais ser híbrido; tem que escolher um caminho específico e se manter nele. Isso elimina muita da experimentação e criatividade que fazia builds únicas serem possíveis.
A implementação de auto-potions também remove outro elemento de skill do jogo. Gerenciar recursos, saber quando usar pots, quando economizar, quando arriscar - tudo isso fazia parte do gameplay ativo que separava jogadores habilidosos dos casuais.
RNG em Excesso: Quando a Sorte Substitui o Esforço
RO3 parece ter abraçado o RNG como elemento central de progression de uma forma que pode ser problemática. Enquanto Ragnarok sempre teve elementos de sorte, eles não dominavam completamente a experiência. Você podia farmar por drops específicos, trabalhar em direção a objetivos claros, e sabia que eventualmente chegaria lá através de esforço consistente.
O novo sistema de crafting de equipamentos adiciona camadas múltiplas de RNG: raridade do item, affixes aleatórios, e skills bônus. Combine isso com as tentativas limitadas por stamina, e você tem uma receita para frustração. Jogadores podem usar todas suas tentativas semanais e ainda assim não conseguir nada útil, sendo forçados a esperar ou gastar dinheiro real para mais tentativas.
A preferência deveria ser por sistemas onde esforço consistente leva a resultados previsíveis. Se você quer um equipamento específico, deveria poder trabalhar em direção a ele através de farming dedicado, não depender de múltiplas camadas de sorte que podem nunca se alinhar a seu favor.
O Sistema de Echoes: Boas Ideias, Implementação Problemática
O sistema de Echoes (Resonance) em RO3 tem potencial interessante. A ideia de equipar habilidades e efeitos adicionais para personalizar builds é atrativa e poderia adicionar profundidade ao gameplay. O problema não está no conceito, mas na implementação.
Limitar Echoes a dungeons de 10 jogadores com tentativas limitadas cria um gargalo artificial. Pior ainda, o sistema de auction usando premium currency significa que jogadores com mais dinheiro real sempre terão acesso primeiro aos melhores Echoes. Isso cria um sistema pay-to-win disfarçado onde progressão significativa está bloqueada atrás de paywall.
Uma implementação mais saudável permitiria que Echoes tivessem chance de drop normal nas dungeons, com tentativas ilimitadas para farming. Echoes inúteis poderiam ser desmontadas para materiais de upgrade, criando um sistema de progression mais orgânico e baseado em esforço ao invés de sorte e dinheiro.
Combat Power: Números vs. Criatividade
Embora os desenvolvedores tenham dito que não haverá display de Combat Power no personagem, o sistema de gear rating ainda existe e cria problemas similares. Quando um sistema automatizado decide qual equipamento é “melhor”, ele inevitavelmente vai contra builds criativas e situacionais.
Um tank pode ser forçado a equipar gear de DPS porque tem rating maior, mesmo que seja completamente inadequado para sua função. Isso não apenas prejudica a performance do jogador, mas também pode excluí-lo de grupos que usam gear rating como critério de seleção.
Sistemas de rating funcionam contra a filosofia sandbox que fez Ragnarok especial. No jogo original, não existia um número único que definia quão “bom” você era. Sua efetividade dependia de conhecimento, build, situação, e habilidade do jogador. Essa complexidade é o que tornava o jogo interessante e permitia que diferentes abordagens fossem viáveis.
A Esperança de Um Futuro Melhor
Apesar de todas essas críticas, é importante manter a perspectiva: RO3 ainda está em desenvolvimento, e o que vimos são testes pioneiros. Existe tempo e oportunidade para que a Gravity ouça o feedback da comunidade e faça os ajustes necessários para tornar o jogo o sucessor que todos esperamos.
A comunidade de Ragnarok é apaixonada e leal. Estes jogadores passaram décadas no mundo de Midgard, criaram memórias inesquecíveis, e formaram friendships que duraram anos. Eles não estão criticando porque querem que RO3 falhe - estão criticando porque querem que ele tenha sucesso.
O feedback sendo dado vem de um lugar de amor genuíno pelo universo de Ragnarok. São sugestões baseadas em décadas de experiência coletiva, de pessoas que entendem intimamente o que fez o jogo original ser especial. Ignorar essas vozes seria um erro monumental.
O Caminho Para Frente
RO3 tem o potencial de ser algo verdadeiramente especial. Com os gráficos modernos, a tecnologia atual, e a base sólida do universo de Ragnarok, poderia criar uma experiência que honre o legado enquanto oferece algo novo e empolgante para uma nova geração de jogadores.
Mas para isso acontecer, precisa abraçar o que fez RO ser especial: liberdade, comunidade, criatividade, e a sensação de que suas escolhas importam. Precisa ser um mundo onde jogadores possam escrever suas próprias histórias, não um jogo que os force através de rotinas pré-determinadas.
A Gravity tem uma oportunidade única aqui. Pode criar não apenas outro MMORPG, mas o ressurgimento de uma franquia lendária. Pode mostrar que ainda entende o que torna Ragnarok especial e que está disposta a preservar essa essência mesmo enquanto evolui para uma nova era.
A comunidade está assistindo, esperando, e torcendo para que RO3 seja o jogo que todos sonharam. As críticas não são obstáculos - são o mapa do caminho para o sucesso. Resta saber se a Gravity vai seguir essa direção ou se vai insistir em um caminho que pode afastar os jogadores mais dedicados da franquia.
O tempo dirá se RO3 será lembrado como o sucessor digno que trouxe Ragnarok de volta à vida, ou como mais uma tentativa que perdeu a essência do que fez o original ser amado por milhões ao redor do mundo. A esperança é que seja o primeiro, mas isso vai depender das escolhas que forem feitas nos próximos meses de desenvolvimento.
Por enquanto, a comunidade continua vocal, apaixonada, e esperançosa. E é exatamente assim que deve ser quando se trata de algo tão importante quanto o futuro de Midgard.