Enquanto a quinta edição de D&D domina o mercado de RPGs com seu sistema simplificado e acessível, poucos novatos conhecem as regras verdadeiramente excêntricas que existiam no Advanced Dungeons & Dragons original. Algumas dessas mecânicas eram tão restritivas e frustrantes que fazem os debates sobre balanceamento de classes atuais parecerem bobagem.
Hoje vamos mergulhar em cinco regras esquecidas do D&D clássico que mostram como o hobby evoluiu. Algumas são curiosidades que poderiam até trazer um tempero diferente para suas mesas modernas, enquanto outras merecem permanecer enterradas nos porões da história dos RPGs.
Limite de Nível por Raça e Classe: A Discriminação Fantasiosa
Se você acha que as restrições nos jogos modernos são frustrantes, imagine não poder evoluir seu personagem além de certo ponto simplesmente por causa da raça escolhida. No AD&D, existia uma tabela infame que limitava o nível máximo que personagens não-humanos podiam atingir em determinadas classes.
A justificativa “técnica” para essa aberração? Manter a “coerência interna” e o “equilíbrio do jogo”. Segundo o Dungeon Master’s Guide da época, com uma expectativa de vida maior, as raças não-humanas dominariam o mundo se pudessem avançar sem limites, tornando os humanos irrelevantes. O raciocínio continuava dizendo que, com mais vantagens, ninguém escolheria jogar com humanos.
A solução para esse “problema de design”? Ao invés de tornar os humanos mais interessantes, simplesmente puniram todas as outras raças. É como se os desenvolvedores estivessem dizendo: “Se não conseguimos fazer os humanos especiais, vamos cortar as pernas de todos os outros!”
O livro até deixava claro que o mestre podia ignorar essa regra se quisesse (uau, que generoso), mas a própria existência dessa mecânica mostra como os tempos mudaram. Imagine explicar para um grupo de jogadores hoje que o elfo deles nunca poderá passar do nível 7 como mago, enquanto o humano ao lado continua avançando infinitamente. Haveria uma revolta na mesa!
Requisitos Mínimos de Atributos: Jogue o que os Dados Permitirem
Hoje reclamamos de MAD (Multiple Ability Dependency) em classes como o monge, mas no AD&D a situação era absurda. Para jogar com um paladino, você precisava ter Força 12, Constituição 9, Sabedoria 13 e Carisma 17. E isso sem contar que os atributos eram rolados com 3d6 (não 4d6 descartando o menor como agora) e na ordem determinada pelo livro.
Em outras palavras: você não jogava o personagem que queria, jogava o que os dados te permitiam. Se tinha em mente um paladino heroico, mas rolou um Carisma 12, seu sonho morria ali mesmo. Com o sistema original de 3d6 em ordem, a probabilidade de conseguir um 17 natural é de menos de 0,5% - boa sorte para ser um paladino!
Esse sistema era completamente oposto à filosofia atual de “jogue o que você quiser”. No AD&D, quando conseguia tirar números altos por sorte, você quase se sentia obrigado a escolher classes como paladino ou monge, porque a chance de rolar aqueles valores novamente era praticamente nula.
Essa abordagem traz nostalgia para alguns veteranos, mas sinceramente? Sou muito mais fã da liberdade criativa das edições modernas. RPG é sobre realizar fantasias, não sobre ser barrado por números ruins em dados.
Força Percentual: Absurdamente Específico e Desnecessariamente Complexo
Conseguiu o milagre de rolar um 18 em Força (0,46% de chance com 3d6)? Parabéns! Agora role mais um d100 para determinar sua força “real”! Isso mesmo: o AD&D tinha a bizarra regra da “força percentual”, criando subcategorias para o 18 que iam de 18/01 até 18/100.
Esta regra transformava o atributo mais simples do jogo em uma escala esotérica com diferentes bonificadores. Conseguir o valor máximo (18/100) era praticamente impossível - era o improvável dentro do improvável. E o mais estranho? Essa precisão absurda existia APENAS para Força. Nenhum outro atributo tinha esse tratamento especial.
Alguns veteranos argumentam que isso fazia você se sentir realmente especial ao conseguir um valor alto, mas vamos combinar: era mais uma camada de complexidade desnecessária. Hoje, com valores que podem chegar a 20 (ou mais) naturalmente, e bônus que escalam de maneira lógica, o sistema é muito mais claro.
Habilidades Percentuais do Ladrão: O Precursor do d20
Antes do sistema unificado de d20, os ladinos (então chamados de “ladrões” - sim, menos sutileza, mais sinceridade) tinham suas próprias mecânicas. Suas habilidades como esconder-se, escalar paredes ou desarmar armadilhas funcionavam com porcentagens em d100.
Cada ladrão começava com valores base e os melhorava a cada nível, com um teto de 95%. Armaduras e outros fatores podiam modificar essas porcentagens, criando um sistema bem diferente do resto do jogo.
Isso criava uma diferença mecânica interessante entre classes, mas também era uma inconsistência. Por que o guerreiro usava d20 para acertar ataques enquanto o ladrão usava d100 para suas especialidades? Hoje em dia, com o sistema unificado de d20, é tudo mais coerente - embora menos distintivo.
Se pensarmos bem, não estamos tão longe disso atualmente. Cada face de um d20 representa 5%, então precisar de um 14+ seria equivalente a ter 35% de chance. A diferença é que agora é tudo mais padronizado.
Penalidades por Mudança de Alinhamento: Consequências Reais para Suas Escolhas
O alinhamento em D&D moderno frequentemente se resume a algumas palavras na ficha que muitos jogadores ignoram após a criação do personagem. No AD&D, mudar de alinhamento (seja por magia ou por escolhas do personagem) tinha consequências mecânicas reais.
Um personagem que passava de Leal para Caótico, ou de Bom para Neutro, sofria um trauma mental representado por penalizações de experiência por um bom tempo. Isso dava peso real às decisões morais - você podia mudar a natureza do seu personagem, mas isso vinha com um custo.
Embora eu não seja fã do sistema rígido de alinhamento como um todo, essa regra pelo menos fazia dele algo mais do que um detalhe cosmético. Hoje, personagens podem mudar completamente suas visões morais sem qualquer impacto mecânico no jogo.
O Passado Bizarro que Moldou o Futuro
Estas cinco regras do AD&D mostram como o RPG mais icônico do mundo evoluiu de um sistema restritivo, frequentemente punitivo e excessivamente complexo para algo mais acessível e centrado na diversão dos jogadores.
Algumas dessas mecânicas antigas tinham seu charme e poderiam até ser adaptadas para mesas modernas com ajustes cuidadosos. Outras, como os limites de nível por raça, merecem permanecer como curiosidades históricas.
O que mais me impressiona é como essas regras refletem uma filosofia de jogo completamente diferente. O D&D original era quase um simulador de fantasia medieval com ênfase no realismo dentro do seu mundo fictício, enquanto as edições modernas priorizam a experiência do jogador e a facilidade de acesso.
Quando vejo jogadores reclamando de “poder excessivo dos personagens” na 5ª edição, não posso deixar de pensar que talvez eles nunca tenham experimentado a frustração de ter um personagem limitado permanentemente por uma rolagem de dados ruim na criação. As edições atuais podem ter seus problemas, mas pelo menos nos dão a liberdade de interpretar quem queremos sem sermos reféns dos dados.
E vocês, jogariam com alguma dessas regras antigas? Ou preferem deixá-las enterradas no passado onde pertencem? +++