Em uma era onde estúdios trilionários gastam fortunas em gráficos hiper-realistas e mecânicas vazias, surge um projeto russo modesto que nos lembra do que realmente importa nos jogos: a capacidade de criar conexões emocionais genuínas. Undertale Promise, um fangame que ousa ser um prequel de outro fangame (Undertale Yellow), pode parecer absurdo na superfície, mas representa algo muito mais profundo sobre o estado atual da indústria.

Este não é mais um artigo celebrando blockbusters AAA com orçamentos cinematográficos. É uma reflexão sobre como criadores independentes, armados apenas com paixão e uma compreensão visceral do que faz um jogo ser memorável, conseguem entregar experiências mais autênticas do que qualquer corporação conseguiria sonhar.

A Revolução Silenciosa dos Fangames

Undertale Promise nos coloca na pele de Harmony, a alma azul que conhecemos apenas através de fragmentos em Undertale Yellow. E aqui está a primeira lição que a indústria mainstream se recusa a aprender: não precisamos de gráficos fotorrealísticos ou mecânicas revolucionárias para criar empatia. A simples decisão de mostrar Harmony chorando após se despedir de Toriel vale mais do que mil cutscenes renderizadas em engines de última geração.

O jogo nos apresenta uma protagonista com motivações claras e humanas: encontrar sua amiga que caiu no Underground. Não há macguffins místicos, não há “salvar o mundo” - apenas uma busca pessoal e desesperada que qualquer pessoa pode compreender visceralmente. Quando foi a última vez que um MMORPG moderno nos deu algo tão simples e poderoso?

A crítica aqui não é acidental. Enquanto os grandes estúdios nos bombardeiam com milhares de quests procedurais onde coletamos 10 peles de lobo para NPCs sem personalidade, Undertale Promise constrói sua narrativa através de cada interação significativa. Cada conversa com Kanaka, cada momento com Dalv, cada descoberta na biblioteca - tudo tem peso emocional porque os desenvolvedores entenderam que jogos são, fundamentalmente, sobre conexão humana.

Gráficos Não Contam História, Pessoas Contam

Vamos abordar o elefante na sala: os sprites de Harmony não são perfeitos. O próprio análise da transcrição admite que há problemas com o design facial do personagem. E sabe qual é a minha opinião controversa sobre isso? Não importa nem um pouco.

Durante décadas, jogamos text-based MMOs como MonstersGame e Lamentosa, onde a única “gráfica” eram palavras na tela, e ainda assim formávamos alianças que duravam anos, rivalidades épicas, e memórias que carregamos até hoje. Por quê? Porque esses jogos entendiam que a verdadeira magia acontece na mente do jogador, não na tela.

Undertale Promise, mesmo com suas limitações visuais, consegue algo que produções multimilionárias falham consistentemente: nos faz nos importarmos genuinamente com os personagens. Quando Harmony usa sua determinação para voltar no tempo e encontrar as palavras certas para convencer Toriel, sentimos sua urgência. Quando Dalv percebe que ela é humana e tenta encontrar uma saída, a tensão é palpável.

Descrição da imagem

Compare isso com qualquer MMORPG lançado nos últimos cinco anos. Gráficos deslumbrantes? Certamente. Mundos vastos e detalhados? Sem dúvida. Mas onde estão as conexões emocionais reais? Onde estão os momentos que nos fazem parar e refletir sobre nossas próprias motivações e escolhas?

A Morte das Quest Lines Significativas

Uma das partes mais poderosas de Undertale Promise é justamente o que ela não faz. Não há uma lista interminável de missões secundárias generic. Não há sistemas de progressão complexos que mascaram conteúdo vazio. Não há um loop infinito de “mate 10 monstros, colete 5 itens, fale com NPC X”.

Em vez disso, cada interação serve a um propósito narrativo maior. Quando ajudamos Kanaka a pegar a bola presa na árvore, não é apenas uma quest - é um momento de caracterização que nos mostra a bondade natural de Harmony. Quando resolvemos o puzzle de xadrez, não é só um obstáculo mecânico - é uma metáfora visual sobre o destino trágico que aguarda nossa protagonista e sua amiga.

Esta é uma crítica direta à preguiça criativa que infesta os MMORPGs modernos. Desenvolvedores se escondem atrás de “conteúdo procedural” e “milhares de horas de gameplay” quando na verdade estão oferecendo a mesma experiência repetitiva disfarçada de variedade. Undertale Promise, sendo apenas uma demo, entrega mais momentos memoráveis do que alguns jogos que jogamos por centenas de horas.

O Poder da Narrativa Linear em um Mundo de Escolhas Vazias

Aqui chegamos a outro ponto controverso que vai irritar os defensores do “player agency”: nem toda história precisa ter múltiplos caminhos. Undertale Promise é assumidamente linear, e isso é uma força, não uma fraqueza.

A linearidade permite que os desenvolvedores construam uma narrativa coesa com arcos emocionais cuidadosamente calibrados. Cada revelação sobre o destino da amiga de Harmony é cronometrada perfeitamente. O momento em que descobrimos na biblioteca o que realmente aconteceu com os humanos anteriores atinge com força máxima porque foi construído ao longo de toda a experiência.

Contrast isso com a falsa “liberdade” que muitos jogos modernos oferecem. Quantas vezes escolhemos uma opção de diálogo que não faz diferença nenhuma? Quantas vezes exploramos mundos “abertos” que são na verdade desertos de conteúdo significativo? A ilusão de escolha frequentemente mascara a ausência de direção artística real.

A Comunidade Como Co-Criadora da Experiência

Aqui chegamos ao coração da questão que conecta Undertale Promise aos valores que defendo neste site. Este jogo existe porque uma comunidade apaixonada por Undertale criou Undertale Yellow, e então outra parte dessa comunidade se apaixonou tanto por Yellow que criou um prequel. É fandom criando para fandom, paixão gerando paixão.

Isso me lembra dos grandes momentos dos MMORPGs clássicos. Em Tibia, não eram os desenvolvedores que criavam as lendas mais memoráveis - eram os próprios jogadores através de suas interações, alianças, traições e heroísmos. Em Lamentosa, as histórias mais épicas emergem organicamente das dinâmicas entre clãs rivais, não de cutscenes programadas.

Undertale Promise captura essa mesma energia. É um jogo feito com amor por pessoas que genuinamente se conectaram com o material original. Cada sprite, cada diálogo, cada mecânica foi criada por alguém que se importa visceralmente com essa história e esses personagens.

A Crítica Aos Gráficos Como Muleta Criativa

Vamos ser brutalmente honestos sobre a questão visual. Sim, o sprite de Harmony tem problemas. Sim, o jogo não vai ganhar nenhum prêmio de arte visual. E isso expõe uma verdade desconfortável sobre a indústria: desenvolvemos uma obsessão doentia por fidelidade gráfica às custas de tudo mais.

Quantos jogos “bonitos” vocês jogaram no último ano que eram completamente esquecíveis? Quantas vezes vocês se pegaram admirando texturas detalhadas em mundos que não despertavam nenhuma emoção real? A indústria nos vendeu a mentira de que evolução tecnológica equivale a evolução artística, quando na verdade são coisas completamente diferentes.

Undertale Promise prova que um jogo pode ser visualmente imperfeito e ainda assim entregar momentos de pura magia. Quando Harmony finalmente entende que sua amiga está morta e quebra o livro no chão em um momento de raiva e desespero, sentimos cada pixel dessa dor. Nenhuma engine moderna poderia renderizar essa emoção mais efetivamente.

O Problema das Mecânicas Como Fim em Si Mesmas

Uma das partes mais inteligentes de Undertale Promise é como ela subverte nossas expectativas sobre combate. Durante quase toda a demo, evitamos conflitos ou os resolvemos pacificamente. Não há grinding, não há sistema de níveis complexo, não há loot tables infinitas para nos manter viciados em recompensas vazias.

Em vez disso, o jogo nos força a confrontar as consequências emocionais de nossas ações. Quando Harmony é finalmente descoberta como humana e cercada pela guarda real, sua reação não é puxar uma espada mágica - é entrar em pânico como qualquer pessoa real faria. O sistema de “determinação” que permite voltar no tempo não é uma mecânica de gameplay, é uma representação física da recusa humana em aceitar tragédia.

Isso deveria envergonhar desenvolvedores de MMORPGs que acham que complexidade mecânica substitui profundidade emocional. Quantos sistemas de crafting elaborados existem apenas para nos manter ocupados, não porque servem a algum propósito narrativo? Quantas mecânicas de progressão são projetadas para maximizar tempo jogado em vez de maximizar satisfação genuína?

A Coragem de Ser Incompleto

Undertale Promise é apenas uma demo, e isso é frustrante. Queremos saber como Harmony vai usar sua determinação para escapar da situação impossível. Queremos ver sua eventual confrontação com Axis. Queremos entender completamente sua jornada da esperança ao desespero.

Mas há algo poderoso sobre deixar uma história incompleta quando ela está sendo contada com tanta autenticidade. É melhor ter uma demo genuinamente envolvente do que um jogo “completo” que não diz nada de significativo. Quantos MMORPGs são lançados “completos” mas completamente vazios de alma?

A paciência forçada também cria algo que a indústria perdeu: antecipação genuína. Não estamos esperando pelo próximo update de Undertale Promise porque um cronograma de marketing nos disse para fazer isso - estamos esperando porque nos importamos genuinamente com esses personagens e queremos ver sua história completada.

O Reflexo de Uma Indústria Perdida

No final das contas, Undertale Promise serve como um espelho brutal para a indústria de jogos moderna. Aqui está um projeto criado por fãs apaixonados, com recursos limitados, gráficos imperfeitos, e ainda assim entregando uma experiência mais emotivamente satisfatória do que 90% dos lançamentos comerciais do último ano.

Isso não é acidente. É o resultado inevitável de uma indústria que perdeu o contato com o que torna os jogos especiais. Quando você prioriza métricas de engajamento sobre conexão emocional, quando você substitui narrativa por sistemas, quando você confunde complexidade com profundidade - você perde a alma do medium.

Undertale Promise nos lembra de uma verdade fundamental: jogos são poderosos não por causa da tecnologia que usam, mas por causa da humanidade que expressam. Um sprite imperfeito animado com amor vale mais do que mil polígonos renderizados sem paixão.

A Lição Para MMORPGs Futuros

Se existe uma lição que desenvolvedores de MMORPGs deveriam tirar de Undertale Promise, é esta: pare de tentar impressionar os jogadores e comece a tentar conectar com eles. Pare de adicionar sistemas sobre sistemas e comece a craftar momentos que importam. Pare de perseguir tendências tecnológicas e comece a contar histórias que ressoam.

Os melhores MMORPGs da história - Tibia, RuneScape clássico, até mesmo text-based games como MonstersGame - não eram tecnicamente impressionantes. Eles eram emocionalmente honestos. Eles criaram espaços onde conexões humanas reais podiam florescer, onde cada interação tinha peso, onde cada escolha importava não por causa de algum sistema de ramificação complexo, mas porque outros jogadores reais estavam do outro lado da tela.

Undertale Promise, mesmo sendo single-player, captura essa mesma essência de autenticidade. É um lembrete de que no final das contas, não jogamos jogos para escapar da humanidade - jogamos para encontrá-la em sua forma mais pura e concentrada.

E talvez, apenas talvez, se mais desenvolvedores entendessem isso, teríamos menos jogos tecnicamente perfeitos e emocionalmente vazios, e mais experiências imperfeitas mas inesquecíveis. Como Undertale Promise nos prova, às vezes é melhor ser genuinamente falho do que perfeitamente artificial.

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