E se eu te dissesse que a Blizzard matou seus próprios chefes finais de World of Warcraft antes mesmo de enfrentarmos? Uma mudança recente na narrativa do jogo causou uma tremenda confusão na comunidade, especialmente entre os fãs mais dedicados ao lore. O que parecia ser a construção épica de vilões cósmicos para o futuro do MMO acabou sendo descartado de forma abrupta, deixando um vácuo narrativo que levanta sérias questões sobre o futuro da franquia.
Para entender completamente essa situação desconcertante, precisamos voltar no tempo e entender como a Blizzard construiu toda a mitologia em torno dos Senhores do Vazio.
A Fundação da Mitologia: Warcraft Chronicles
Tudo começou em 2015, quando Chris Metzen e sua equipe decidiram criar algo que definiria para sempre a mitologia de Warcraft. Nasceu então Warcraft Chronicles, uma trilogia de livros que seria a Bíblia do universo, o relato definitivo para entender como tudo começou, desde a origem dos Titãs até os segredos mais profundos do cosmos.
No primeiro volume de Chronicles, duas verdades fundamentais foram estabelecidas. A primeira: Azeroth era a última alma titânica do universo, uma entidade adormecida que deveria ser protegida a todo custo. Se as criaturas do Vazio conseguissem corrompê-la, tudo que conhecemos deixaria de existir. A segunda verdade era ainda mais aterradora: se o Vazio conseguisse corromper uma alma de Titã antes de seu nascimento, o resultado seria um Titã Sombrio, uma aberração tão poderosa que nada na criação poderia detê-la.
Este era o verdadeiro terror cósmico. O nascimento de um Titã do Vazio significaria literalmente game over para todos. Ninguém poderia frear esse poder. Por isso Azeroth deveria ser protegida tanto pela Aliança quanto pela Horda a qualquer custo.
A Criação dos Senhores do Vazio
Enquanto Chronicles era escrito, a Blizzard também preparava Legion, a expansão que fecharia uma era com a batalha final contra a Legião Ardente, os vilões principais de toda a franquia. Metzen sabia que se os heróis vencessem a Legião, o mundo precisaria de novos vilões, novos horrores, novos inimigos.
Foi então que surgiram eles: os Senhores do Vazio. Seres antigos que existiam além da realidade, entidades que não podiam se manifestar em nosso plano, exceto devorando quantidades inimagináveis de matéria. Mesmo assim, só podiam permanecer por um breve instante antes de desvanecer.
Os Senhores do Vazio invejavam os Titãs. Queriam corrompê-los, mas os Titãs já formados eram poderosos demais. Então decidiram ir atrás dos que ainda não haviam nascido. Para cumprir seu propósito, enviaram seus emissários: os Deuses Antigos. Estas abominações viajaram pelo universo, colidindo com mundos e esperando encontrar algum que contivesse uma alma titânica adormecida para infectá-la.
Foi justamente esta ameaça, a de um Titã corrompido pelo Vazio, que terminou enlouquecendo Sargeras. O Titã protetor convertido em destruidor acreditou que a única forma de salvar o universo era queimando tudo. Assim nasceu a Cruzada Ardente. O Vazio foi o motor de tudo.

As Pistas do Futuro
Quando a Legião fosse derrotada, os Senhores do Vazio tomariam seu lugar como os novos vilões do futuro. A Blizzard havia preparado esses seres para serem os inimigos finais de World of Warcraft, tão antigos e poderosos que enfrentá-los seria algo único.
As poucas pistas que tínhamos sobre eles eram inquietantes. Nas Cavernas de Dalaran, um sussurro falava sobre uma serpente cega que observa de uma estrela morta. Um orador da Legião também mencionava essa mesma serpente, especulando-se que seria a líder dos Senhores do Vazio, uma criatura que algum dia deveríamos enfrentar.
A expectativa era alta. A construção narrativa estava perfeita. Mas esse dia nunca chegaria.
O Problema com Dimensius
O conceito dos Senhores do Vazio começou a se desmanchar com The War Within. Foi aí que a Blizzard decidiu apresentar Dimensius como o chefe final da expansão. A decisão foi problemática não por Dimensius em si, mas pelo que representava.
Dimensius era o primeiro Senhor do Vazio que víamos cara a cara e, do nada, foi colocado como chefe final sem quase nenhuma preparação prévia. É verdade que nas missões finais de Dragonflight, o Caminhante Etéreo dizia a Alleria que o objetivo de Xal’atath era invocar Dimensius. Mas essa ideia nunca foi desenvolvida adequadamente durante The War Within.
Somente no final, no último patch e de forma apressada, vimos a Guarda das Sombras tentando trazê-lo de volta. O problema não foi a invocação em si — o Coração Negro realmente tinha poder suficiente para isso — mas todo o desenvolvimento pareceu extremamente acelerado. Uma ameaça desse calibre não pode simplesmente aparecer assim.
Uma introdução épica poderia ter desenvolvido Dimensius ao longo de múltiplas expansões. Imagine se ele fosse invocado em Midnight, numa batalha onde realmente perdêssemos, forçando os Titãs a retornarem a Azeroth. Um evento tão catastrófico que até Xal’atath se visse obrigada a se unir a nós em The Last Titan para enfrentá-lo.
Mas essa história, essa ideia de desenvolvimento longo prazo, terminou comprimida em um único patch. Xal’atath passou a ser nossa aliada, Dimensius foi derrotado e tudo se resolveu rápido demais.
As Contradições Narrativas
O patch de Khaz Algar foi bom em termos de história, isso é inegável. Mas para a ameaça que tínhamos pela frente, tudo pareceu muito acelerado. Além disso, foram introduzidos elementos que deixaram mais perguntas que respostas.
Dimensius conseguiu se manifestar em nossa realidade e Khaz Algar tinha uma alma titânica. Então, seguindo a regra estabelecida em Warcraft Chronicles, Dimensius deveria ter tentado corrompê-la, não devorá-la. Essa era a norma fundamental. Se uma alma titânica cai perante o Vazio, nasce um Titã Sombrio e com isso o universo se perde.
Mas aqui Dimensius quebra essa regra e ninguém explica por quê. Quando perguntaram diretamente aos desenvolvedores por que Dimensius não tentou corromper a alma titânica de Khaz Algar, a resposta foi… nada concreto.
A Revelação Chocante
Mas então chegou o vídeo de apresentação de Midnight. E ali o próprio Chris Metzen, líder da equipe de história, disse algo que ninguém esperava: confirmou que Dimensius era o último Senhor do Vazio.
Isso mesmo. Assim, sem mais. O último, e já o derrotamos.
Sinceramente, foi um golpe duríssimo. Isso não veio de um desenvolvedor novo, de alguém sem contexto. Foi dito por Metzen, o mesmo que criou a ideia dos Senhores do Vazio como o grande mal cósmico que algum dia enfrentaríamos. E agora simplesmente estão todos mortos.
Não que devêssemos enfrentar outro Senhor do Vazio agora na saga da Alma do Mundo. Já tivemos a luta contra Dimensius. Mas ao menos poderiam guardá-los para o futuro. Eles eram os inimigos ocultos na escuridão, os mais fortes, aqueles que esperavam o fim dos tempos para travar a batalha definitiva entre Luz e Sombra.
É como se em Warcraft 3 nos dissessem que Sargeras estava esperando, que era tão poderoso que algum dia teríamos que enfrentá-lo, e depois, de repente, nos dissessem: “Ah não, na verdade Sargeras já está morto”. Isso mata o mistério, mata a épica.
Mais Contradições e Confusão
Para quem ama Chronicles, isso parece uma traição narrativa. E a confusão não para por aí. Este mudança não afeta diretamente Midnight nem a saga da Alma do Mundo, mas contradiz a coerência do lore. É literalmente Metzen matando a mesma ideia que ele havia criado.
A Blizzard tem planejado pelo menos 15 anos mais de World of Warcraft. Isso seriam umas seis expansões aproximadamente. E o Vazio sempre pareceu o inimigo final, não o de agora, mas o do fim da jornada. Mas se todos os Senhores do Vazio estão mortos há muito tempo, quem vamos enfrentar? A Legião está derrotada, a Morte enfraquecida, o Vazio ironicamente ficou vazio.
Além disso, o fato de Dimensius ser o último gera mais contradições. Supostamente ele encontrou Khaz Algar há uns 100.000 anos e foi destruído pelos Etéreos, fragmentado em centenas de partes. Mas a Cruzada de Sargeras começou depois disso, ou pelo menos nessa época. Então se Sargeras queria queimar o universo para salvá-lo do Vazio, por que não destruiu esses fragmentos e acabou com a ameaça de uma vez?
E se Dimensius era o último, quem criou os demais Deuses Antigos? A quem serviam os que caíram sobre Azeroth? Durante a era do Império Sombrio, Dimensius supostamente entregou um cajado a Xal’atath, mas para esse momento já estava fragmentado. Como tudo isso é possível?
O Futuro Incerto do Vazio
Hoje a única vilã importante que nos resta nesse âmbito é Xal’atath, que será a protagonista de Midnight. Não tenho problema algum com Xal’atath, me parece uma grande vilã e uma das minhas favoritas. Mas olhando para além, para o futuro, em algum momento o Vazio voltará a ser tema para uma expansão e, sem seus líderes nem seus deuses, o que restará para enfrentar?
Talvez existam entidades ainda mais antigas, líderes do Vazio que não conhecemos. Ou poderia se canonizar uma velha teoria que dizia que os Senhores do Vazio eram apenas uma mentira inventada pelos Titãs para encobrir seus atos. Afinal, o primeiro capítulo de Chronicles se chama literalmente “Mitos”. Toda aquela parte poderia ser apenas um véu entre realidade e histórias inventadas pelas forças cósmicas.
Isso poderia ser a grande conspiração titânica que veremos em The Last Titan. Também é possível que os Nathrezim que disseram a Sargeras sobre o Titã Sombrio estivessem mentindo, já que, afinal, os Nathrezim serviam a Denathrius.
Por Que Esta Decisão Importa
Sinto que colocaram Dimensius no final de The War Within porque precisavam terminar a expansão com um vilão grandioso, embora tenha se sentido muito apressado. Seja como for, todo este tema deixa mais perguntas que respostas.
Nas entrevistas que a Blizzard concede, sempre responde a mesma gente, que são pessoas muito talentosas em seus departamentos de arte ou design de jogo, mas não sabem de história profunda. As pessoas encarregadas da história não dão entrevistas, não respondem nada. Metzen nunca dá entrevistas, então podemos dizer que tudo isso ficará sem resposta.
Esta decisão que parece uma mudança pequena na verdade traz vários furos de roteiro e quebra um pouco as expectativas, talvez não tanto do público em geral, mas sim daqueles que amamos Warcraft Chronicles e a história da cosmologia deste universo.
O lore da expansão está muito bom, isso não se pode negar. Mas deixa um sabor amargo. É uma decisão que não faz muito sentido, e às vezes é difícil entender por que complicam tanto as coisas quando poderiam sair de maneira muito limpa. Esperemos que, no final das contas, seja apenas um erro de Metzen e que Dimensius realmente não era o último Senhor do Vazio.
Mas por enquanto, o Vazio de World of Warcraft está mais vazio do que nunca.